terça-feira, 18 de setembro de 2007

Cotovia (Manuel Bandeira)

“Cotovia”

Alô, cotovia !
Aonde voaste,
Por onde andaste,
Que tantas saudades me deixastes ?

- Andei onde deu o vento.
Onde foi meu pensamento.
Em sítios, que nunca viste,
De um país que não existe ...
Voltei, te trouxe a alegria.

- Muito contas, cotovia !
E que outras terras distantes
Visitastes ? Dize ao triste.

- Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, bahia ...

- Voei ao Recife, no cais
Pousei na rua da Aurora.

- Aurora da minha vida,
Que os anos não trazem mais !

Os anos não, nem os dias,
Que isso cabe às cotovias.
Meu bico é bem pequenino

Para o bem que é deste mundo :
Se enche com uma gota de água.
Mas sei torcer o destino,
Sei no espaço de um segundo
Limpar o pesar mais fundo.
Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, aonde alcança
Só a asa da cotovia,
- Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.


Análise do poema :

Cotovia contagia-se deste mundo imaginado, surreal, que não existe. Da esperança deste encontro por trazer novas notícias, de lugares desconhecidos. Tem a melancolia e a tristeza de anos passados que não voltam mais. Este pássaro europeu que viaja por países e continentes, indo parar na terra natal de Bandeira. Logo, existe um retrocesso a sua infância, exibindo cenários conhecidos desta sua época. A busca por notícias, por acontecimentos, dá a impressão de que existe esperança. Por um outro lado, temos a marca desta alegria perdida, que não volta mais. Então, existe esta crença ou acomodação de que o mundo adulto torna-se por vezes sem graça, triste, melancólico e que não valeria a pena. São as marcas de tristeza que estão no cotidiano da obra de Bandeira. Agora, vemos também em Cotovia uma alegoria desta ave trazendo notícias de outros continentes, indo para o Recife. Novidades, ares novos, sair da mesmice. Ela nos dá esta sensação, de resgatar os sentimentos tão caros ao homem como a alegria e a tradição.

_umberto.alitto

2 comentários:

Chico Ribas disse...

Grande Umberto. Gostei disso, de você colocar a poesia e em seguida analisá-la. Muitas pessoas têm dificuldades para entender poesia sendo assim, acabam se desinteressando por ela...

Gostei disso...
Beijos

Humberto Alitto disse...

Obrigado Ribas. Vou tentar postar mais críticas de poemas e prosas. Aguarde. Abração.